sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Dos silêncios

E eu, que odeio clichês, sou obrigado a me render a um do maiores: escrever sobre as sensações que o final do ano traz. É clichê, mas vai lá, todo mundo sabe do que eu estou falando.
Uma pesquisa mostrou que 86% dos brasileiros (ah, números, dão um ar de seriedade a qualquer coisa) se sente estressado com as festas de fim de ano. Oitenta e seis!!! Viu, aquela sua irritação decembrina, a vontade de esfaquear o mundo junto com o peru ou enfiar a taça de champanhe na garganta de alguém não é exclusividade sua. Quase todo mundo sente isso. O que me leva a pensar: que tipo de gente se encaixa nos 14% restante, aqueles que não se estressam? Deus me livre de esbarrar com eles, devem ser uma coisa assustadora! Deve ser uma gente esquisita com o cabelo impecável e a pele lisa.
Acho que uma das coisas que mais contribuem para essa angústia ano-novina é a mania de fazer balanços, listas, retrospectivas. A gente acaba vendo que os contras foram maiores que os prós. Ou, pior ainda, que o ano todo passou em brancas nuvens, a vida parou – socorro, Drummond – ou foi o automóvel? E para lutar contra isso, o que fazemos? Festa.
Essa semana uma frase me perseguiu. Engraçado, várias pessoas se referiram a ela de uma maneira ou outra. É de um dos meus filmes favoritos, baseado um dos meus livros favoritos, ficcionalizando a vida de uma das minhas escritoras favoritas, Virginia Woolf. O filme é As horas e a frase: “Mrs. Dalloway, always giving parties to cover the silence” – Mrs. Dalloway, sempre dando festas para encobrir o silêncio.
Encobrir o silêncio. Eu tenho medo do silêncio. Afinal, não há nada mais eloqüente que ele. Pense só. Quantos silêncios inesquecíveis já falaram com você? O silêncio do momento em que uma boca vai se aproximando da sua e você, que esperava por isso ansiosamente, sabe que vai ser beijado. O silêncio depois de uma briga na qual você usou todas as frases perfurantes, mas é ele, o silêncio, que diz a mais importante: Eu ainda te amo. O silêncio gostoso de dar um telefonema para alguém só para ouvir a voz dele e vocês não têm mais o que falar e o silêncio fala: Não desligue, por favor. O silêncio de estar deitado no colo de alguém que faz cafuné na sua cabeça. O silêncio de ver gato dormindo. O silêncio quando o filme acaba e você ainda está digerindo o que viu. O silêncio bom depois de transar. O silêncio terrível do momento exato em que um caixão desce à sepultura e lançam sobre ele a primeira pá de terra.
E, no final do ano, parece que esses silêncios ficam maiores. Às vezes, eles realmente precisam ser encobertos. Noutras, eles precisam gritar. E eu peço aos Senhores do Tempo que me ajudem a saber qual a hora de cada uma das coisas. Que cada um de nós consiga conviver com os nossos silêncios. É um bom desejo de fim de ano, não? Uma resolução a mais para a lista: que eu saiba quando ouvir ou calar meus silêncios.
Provavelmente este post é o último do ano. Mais do que aquilo que escrevi acima, ele carrega silêncios em si. Carrega obrigados, carrega eu te amos, carrega expectativas. E carrega também um presentinho. Uma coisa-mais-linda da mais-que-linda Hilda Hilst. Feliz ano-novo! Feliz silêncios novos! Feliz silêncios felizes:

Se um dia te afastares de mim, Vida – o que não creio
Porque algumas intensidades têm a parecença da bebida –
Bebe por mim paixão e turbulência, caminha
Onde houver uvas e papoulas negras (inventa-as)
Recorda-me, Vida: passeia meu casaco, deita-te
Com aquele que sem mim há de sentir um prolongado vazio.
Empresta-lhe meu coturno e meu casaco rosso: compreenderá
O porquê de buscar conhecimento na embriaguês da via manifesta.
Pervaga. Deita-te comigo. Apreende a experiência lésbica:
Estilhaça a tua própria medida.
(HILST, Hilda. Alcoólicas. São Paulo: Maison de vins, 1990)

9 comentários:

Fernanda Maria disse...

Oi, Marco!!
Belíssimo texto! Tocante.

Saiba que, com certeza, farei minha retrospectiva 2007 e clamarei para que alguns silêncios meus gritem, mas abafarei tantos outros. E, como não poderia deixar de fazer, pedirei por silêncios novos em 2008!!

Este foi um belo presente de início de 2008, o seu texto!! Obrigada.

Beijos
Fernanda

Da Matta disse...

Eu ia escrever sobre o fim do ano. Mas também achei clichê e resolvi não escrever. Você, como sempre, conseguiu não ser clichê mesmo com o tema tão batido quanto este.

Ah, os silêncios...muitas vezes desfazem todas as palavras anteriores e tornam sem razão as vindouras...

Preciso de um silêncio, mas enquanto converso comigo mesmo, pra saber o que eu estou querendo me dizer, rs.

Abraço, Marco!
esse menino tem futuro...

Anônimo disse...

Maaarcooo!!!
Preciso das minhass notaass!!!
Te mandeii um emaaaiiillll!!!!

Beijos.
Ah, as amoras estão akiii!!

Anônimo disse...

belíssima crônica.

feliz ano novo.

Anônimo disse...

É incrível a sua capacidade de sintetizar nas palavras aquilo que sentimos de uma forma tão intensa, mas que permanece preso nos nossos corações.
Belo post!Reflexivo e ao mesmo tempo explicativo.Explicativo por nos fazer entender que um simples silêncio diz mais do que quaisquer palavras.
Espero que saibamos lidar com nossos silêncios e que eles nos falem cada vez mais...

Fico por aqui.
Grande escritor,grande professor, grande amigo!

Um maravilhoso 2008 repleto de sucesso!

Beijos!

Anônimo disse...

Marco, só um bom silêncio após ler seu texto... me fez refletir bastante...
Obrigada! =***

Jordão Pablo disse...

Concordo com a Marina, Marco...

Só um silêncio agora.

Desculpe a minha ausência nos posts anteriores.

Abraço do seu sempre aluno e amigo

Lorde Wenceslau disse...

...
Apenas silêncio depois da leitura do texto... acho que acabamos por cair sempre em alguns clichês por mais que juremos de pés juntos que jamais os cometeremos novamente! rsrsrs...

Finalmente apareci aqui.
Grande abraço e até semana que vem.
=P

Karen_Raphael disse...

Sempre admirável, com palavras ditas ou escritas.
Não é mais fim-de-ano, mas comprovo que os novos silêncios se fazem presentes.
Parabéns pelo belo texto!Você, como nos parece à primeira impressão, sem dúvidas, é uma pessoa singular.

E popularidade ao blog, rumo à aceitação da comunidade blogueira!rs.