Durante o mestrado, fiz uma disciplina com o grande Luiz Costa Lima. O tema era a obra de Joseph Conrad. A lembrança mais vívida que tenho daquele semestre não é, no entanto, de nenhum dos livros do marinheiro escritor que, confesso, nunca me atraíram muito. O que ficou em mim daquelas aulas foi uma frase de John Keats, o poeta, daquelas frases que mudam uma vida. Não esqueço do dia em que Costa Lima escreveu no quadro: “A piece of beauty is a joy for ever”- em tradução tosca, um pouquinho de beleza é uma alegria para sempre.
O mais engraçado é que sempre penso nessa jóia de verso quando estou assistindo a musicais do cinema. Sim, sou o último fã do gênero, assisto a todos, dos clássicos à mais recente tentativa de Hollywood de reabilitar o gênero. E, segundo alguém que me ama o suficiente para ler em mim até o que escondo de mim, gosto de todos, até dos ruins. Estou inclinado a concordar.
Mas, por que falar de musicais agora? É porque, daqui a pouco, o Telecine Cult vai apresentar um dos maiores de todos os tempos, um clássico, “West Side Story” – chamem-me purista, mas me recuso a referir-me a ele como “Amor, sublime amor”, título dado em português. Produzido em 1961 e dirigido por Robert Wise, é um daqueles filmes inesquecíveis, você vê e fica com as imagens guardadinhas no de dentro seu até ficar velhinho e virar esquecimento. A piece of beauty.
A história? Mais clichê impossível. Afinal, é uma adaptação de “Romeu e Julieta”. Sai Verona, entra a Nova Iorque dos anos 50. Saem Montéquios e Capuletos, entram gangues juvenis de porto-riquenhos versus os jets, os nativos da cidade. Junte uma Natalie Wood linda, jovenzinha e doce. Agora adicione canções inspiradíssimas, como “América” e “Maria”. A joy for ever...
É engraçado essa fascinação que os musicais causam. Ora, são verdadeiros atentados à verossimilhança. O sujeito está lá, no meio de uma chuva torrencial, e, de repente, sai dançando, chapinhando nas poças, cantando “I’m singing in the rain...”. Inverossímil? Talvez (confesso que já reproduzi a cena....). Inesquecível? Definitivamente. Musicais fascinam porque falam com partes da gente que, nesses tempos de distúrbio, gostaríamos de deixar adormecidas. Aquelas partes que nas horas cruciais, quando você já está com a emoção no limite, sussura uma canção no seu ouvido, um pano de fundo completando a cena. Afinal, eu defendo que a vida devia vir com músicas-tema, igual seriado americano.
Take 1 – Panorâmica por sobre montanhas suíças. Lindas. Julie Andrews, braços abertos. As colinas ganham vida com o som da música. Fiquei mais vivo depois dessa. Take 2 – Jennifer Hudson, triste de doer, perdendo tudo, o amor, a carreira, os amigos, a dor é física de tão poderosa. O desabafo: “Eu não quero ser livre! Eu vou ficar, e você vai me amar!”. Ainda bem que cinema é escuro. Take 3 – Audrey, Audrey, tão feliz, tão completa, cantando “Eu poderia ter dançado a noite toda e ainda pediria mais”. Eu dançaria com ela naquela hora. Take 4 – Nicole Kidman, de tirar o fôlego, descendo por um balanço e cantando que os franceses morreriam felizes por amor. Não sou francês mas, ali, morreria também. Ah, tantas cenas que eu poderia ficar repetindo aqui...
Música e imagens. Som e fúria. Dizendo – cantando – que ainda existem lugares secretos, Pasárgadas escondidas para onde fugir quando se fica triste, “triste de não ter jeito”. Deixo que Caio Fernando Abreu me ajude a pensar no porquê de amar os musicais. Porque eles ajudam a espantar o fim do mundo:
“O fim do mundo era o silêncio e o vazio. Era a solidão absoluta. (...)Eu precisava dar um passo além do fim do mundo. Foi então que eu descobri o jeito de dar esse passo. A maneira de vencer o fim do mundo era enchê-lo de sons e de cores. Então uma canção brotou do fim de mim, e eu cantei...” (ABREU, Caio Fernando. Pode ser que seja só o leiteiro lá fora. In: Teatro completo. Porto Alegre: Sulina, 1997)
P.S.1: Os filmes citados nos “takes” são: A noviça rebelde, Dreamgirls, My fair lady e Moulin Rouge.
P.S.2: Ironia da vida....acreditam que tenho um compromisso na hora do filme?
O mais engraçado é que sempre penso nessa jóia de verso quando estou assistindo a musicais do cinema. Sim, sou o último fã do gênero, assisto a todos, dos clássicos à mais recente tentativa de Hollywood de reabilitar o gênero. E, segundo alguém que me ama o suficiente para ler em mim até o que escondo de mim, gosto de todos, até dos ruins. Estou inclinado a concordar.
Mas, por que falar de musicais agora? É porque, daqui a pouco, o Telecine Cult vai apresentar um dos maiores de todos os tempos, um clássico, “West Side Story” – chamem-me purista, mas me recuso a referir-me a ele como “Amor, sublime amor”, título dado em português. Produzido em 1961 e dirigido por Robert Wise, é um daqueles filmes inesquecíveis, você vê e fica com as imagens guardadinhas no de dentro seu até ficar velhinho e virar esquecimento. A piece of beauty.
A história? Mais clichê impossível. Afinal, é uma adaptação de “Romeu e Julieta”. Sai Verona, entra a Nova Iorque dos anos 50. Saem Montéquios e Capuletos, entram gangues juvenis de porto-riquenhos versus os jets, os nativos da cidade. Junte uma Natalie Wood linda, jovenzinha e doce. Agora adicione canções inspiradíssimas, como “América” e “Maria”. A joy for ever...
É engraçado essa fascinação que os musicais causam. Ora, são verdadeiros atentados à verossimilhança. O sujeito está lá, no meio de uma chuva torrencial, e, de repente, sai dançando, chapinhando nas poças, cantando “I’m singing in the rain...”. Inverossímil? Talvez (confesso que já reproduzi a cena....). Inesquecível? Definitivamente. Musicais fascinam porque falam com partes da gente que, nesses tempos de distúrbio, gostaríamos de deixar adormecidas. Aquelas partes que nas horas cruciais, quando você já está com a emoção no limite, sussura uma canção no seu ouvido, um pano de fundo completando a cena. Afinal, eu defendo que a vida devia vir com músicas-tema, igual seriado americano.
Take 1 – Panorâmica por sobre montanhas suíças. Lindas. Julie Andrews, braços abertos. As colinas ganham vida com o som da música. Fiquei mais vivo depois dessa. Take 2 – Jennifer Hudson, triste de doer, perdendo tudo, o amor, a carreira, os amigos, a dor é física de tão poderosa. O desabafo: “Eu não quero ser livre! Eu vou ficar, e você vai me amar!”. Ainda bem que cinema é escuro. Take 3 – Audrey, Audrey, tão feliz, tão completa, cantando “Eu poderia ter dançado a noite toda e ainda pediria mais”. Eu dançaria com ela naquela hora. Take 4 – Nicole Kidman, de tirar o fôlego, descendo por um balanço e cantando que os franceses morreriam felizes por amor. Não sou francês mas, ali, morreria também. Ah, tantas cenas que eu poderia ficar repetindo aqui...
Música e imagens. Som e fúria. Dizendo – cantando – que ainda existem lugares secretos, Pasárgadas escondidas para onde fugir quando se fica triste, “triste de não ter jeito”. Deixo que Caio Fernando Abreu me ajude a pensar no porquê de amar os musicais. Porque eles ajudam a espantar o fim do mundo:
“O fim do mundo era o silêncio e o vazio. Era a solidão absoluta. (...)Eu precisava dar um passo além do fim do mundo. Foi então que eu descobri o jeito de dar esse passo. A maneira de vencer o fim do mundo era enchê-lo de sons e de cores. Então uma canção brotou do fim de mim, e eu cantei...” (ABREU, Caio Fernando. Pode ser que seja só o leiteiro lá fora. In: Teatro completo. Porto Alegre: Sulina, 1997)
P.S.1: Os filmes citados nos “takes” são: A noviça rebelde, Dreamgirls, My fair lady e Moulin Rouge.
P.S.2: Ironia da vida....acreditam que tenho um compromisso na hora do filme?