domingo, 11 de novembro de 2007

Labirinto:Cansaço?

Estou cansado. Aliás, não é nenhuma exclusividade minha. Parece que todo mundo anda assim. A resposta padrão à pergunta “E aí, como você está?” tem sido, na maioria das vezes: “Cansado”. Um mar de cansados. Um cansaço do mundo.
A última entrevista de Clarice Lispector, dada poucos meses antes de sua morte, à TV Cultura, é uma das experiências mais angustiantes pela qual um espectador pode passar. Programa em preto-e-branco, cenário praticamente vazio, câmera fechada no rosto da entrevistada. Longos silêncios. A mim, a parte que mais agonia causa é o momento no qual o entrevistador – uma voz apenas, nenhum rosto – pergunta: “Você está triste, Clarice?”. Ao que ela responde: “Não. Estou cansada”.
Não. Não estamos tristes. Estamos cansados. O que dói, no entanto, é que, lá no fundo, bem no fundo, nós sabemos que todo esse cansaço é tristeza ou algo parecido. A câmera está voltada para os nossos rostos, close nas olheiras, nos olhos vagos. A voz pressaga lança a pergunta: “Você está triste?”. “Não, estou cansado”.
Cansados. De ter que chamar de cansaço esse não-sei-o-quê que corta o de dentro da gente. Focalizados em preto e branco, exibimos um sorriso sépia e um ar de tédio, como se fossemos mímicos, a máscara branca de maquiagem, o terno preto, as luvas alvas. Uma coleção de gestos, pois que palavras nos faltam. A platéia em volta tenta decifrar os movimentos de nossas mãos e, para nosso alívio, ela grita: Cansaço! Com o polegar levantado para eles, sorrimos – aquele, sépia – “Acertaram!”. Acertaram?
Nessas horas, dá uma vontade de pedir um colinho. Deitar a cabeça nas pernas de alguém, sentir uma mão fazendo cafuné. Sem discursos. Sem freudismos. Só carinho. Vocês devem lembrar daquela música da Cindy Lauper, Time after time (se você nem sabe quem foi Cindy Lauper agradeça aos deuses pela juventude – é lindo ter dezesseis anos...). Pois bem, entre as milhares de frases de amor e melação da música (quem disse que sentimento é chique?), sabe qual a me emociona mais? Then, you say go slow, I fall behind – algo como: Então você diz “Pega leve”, eu caio pra trás...
Tudo correndo, facas, datas, prazos. Demandas. Pedidos. Ah, cansaço...será que tem alguém pra dizer “Pega leve”?
Por fim, e para a alegria, lanço a série “Ah, a poesia...”. Tome Antonio Cícero, um santo remédio para cansaços e maus-tratos da alma :
Canção da alma caiada
Aprendi desde criança
Que é melhor me calar
E dançar conforme a dança
Do que jamais ousar

Mas à vezes pressinto
Que não me enquadro na lei:
Minto sobre o que sinto
E esqueço tudo o que sei.

Só comigo ouso lutar,
Sem me poder vencer:
Tento afogar no mar
O fogo em que quero arder.

De dia caio minh’alma
Só à noite caio em mim
Por isso me falta calma
E vivo inquieto assim
(CÍCERO, Antonio. Guardar. Rio de Janeiro: Record, 1997)

11 comentários:

Anônimo disse...

Falando em cansaços e fadigas, eis que a voz de Carlos Drummond ecoa novamente:

No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas
Nunca esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra.

Marco, parabéns pelo Blog!

Teu post inaugural me fez lembrar do poema de Drummond. Nos dias de hoje, como nos de Drummond, o sentimento (físico e metafísico) de cansaço é algo que parece afetar a todas as pessoas: nossas retinas estão pra lá de fatigadas de tanta mesmice, de tantas pedras que se repetem à exaustão. Se ao menos essas pedras fossem pedras que rolassem, elas seriam “Rolling Stones” e não criariam tanto limo. Mas não. As pedras estão aí e são cada vez mais numerosas e atravancadeiras: basta ligar a televisão ou abrir os jornais.

Acho que o seu blog vai ser uma boa forma de botar as pedras pra rolar, oferecendo lampejos valiosos para nossas retinas tão fatigadas.

Um abraço,
Marcelo

Anônimo disse...

Acho que não tenho um comentário tão imenso a fazer no seu blog, nem uma poesia de Drummond que me venha a mente... Mas, também cheguei cansada em casa e ao me jogar na cadeira do computador, a primeira página que entrei na internet foi esta. E então percebi que meu cansaço é todo esse não-sei-o-que que vem não sei de onde e desaparece não sei como... Aliás, espero que desapareça logo. Por falar em desaparecer, a primeira coisa que fiz quando cheguei em casa, depois da sua aula na terça-feira, foi olhar o pé de amora, que fica encostado na minha escada. O que vi, ou melhor, o que não vi, foram amoras. Onde foram parar as amoras? Será que ainda existem? Acho que não está na época. De qualquer forma, espero que elas voltem até o fim do mês. Sem mais... Parabéns pelo Blog! Está magnífico! Obrigada por nos agraciar com sua inteligência. Beijos.

Anônimo disse...

Quase esqueci. Cindy Lauper e Time After Time estão entre as minhas preferidas. Odiei ter dezesseis anos...

Ingrid Moura disse...

Salve o novo blog!
É, eu ando meio completamente down, está ruim para todo mundo mesmo, incrível. Nas horas de sensação mais aguda a pergunta que me vem é: pq o mundo não acabou em 2000? rsrs
os versos do meu mês são: "na medida do impossível/ ta dando pra se viver", de uma música da Rita Lee; acho q serve um pouco para o cansaço da vida, sei lá.
Vida longa ao Labirintos e Amoras!

Anônimo disse...

Me encontrei ao ler este post...
Realmente há um cansaço de um não sei quê que nos envolve, mas não sabemos o porquê. Nos cansamos de tudo: da falta de tempo para os amigos, das obrigações, das pessoas... da vida.
Talvez seja mesmo a ausência de algo que ainda não sabemos o que é, um vazio a preencher...
Mas mesmo cansados, ainda seguimos em frente na tentativa de encontrarmos aquilo que nos fará descansar de tudo isto.

Anônimo disse...

Grande Mestre,

Prazer grande em ler o seu blog. Cativante, literário e profundo. Literatura agora tem outro significado para mim. Vc fez com que eu revivesse a ânsia súbita e voraz pela escrita que eu tinha desde pequena.
Felicidades
http://empreendimento.blogspot.com/

Fernanda Maria disse...

Olá, querido Marco!!!

Bem... Só tenho uma coisa a dizer:

Estou cansada!!!

Pós-modernamente cansada.Não sei do que, tão pouco porquê.

Ai!!! Acabo de me dar conta de que não terei mais o prazer de assistir suas aulas às sextas-feiras. Isso me deixa triste!!

Mil Beijos

Fernanda

Hudson Pereira disse...

Olá professor,em primeiro parabéns pelo blog,vc tem mesmo que dividir suas idéias,vc é uma pessoa de idéias.

Eu gostei muito desse post,primeiro pelo poema do Cicero,que é um dos meus poetas favoritos.

Quanto ao texto,é puramente real,eu me sinto completamente cansado,acordo cansado e permaneço assim. E sei que esse cansaço esconde ou englobe outras sensações. Mas também acho que é o cansaço o que define nosso rumo pois ou nós de fato nos cansamosde algo e mudamos,ou nos acostumamos à ele.Quanto ao poema,eu não aprendi...eu ousei respeitar minha natureza...se vale a pena,não sei.

Grande Abraço!

Unknown disse...

Nossa Marco, você traduziu o sentimento de todos nós nesse texto!
Eu acho que esse é que é o grande mérito do poeta: traduzir emoções a respeito de determinadas impressões e nos fazer pensar por que nunca pensamos nisso antes????

Beijos,
Ursula

Anônimo disse...

Olá Marco. Muito bom o que você postou. Concordo com o que escreveste, há um mar de cansados.
Eu mesmo já dei esta resposta estando na verdade triste, porém a maioria das vezes me acho fatigado.

Agora por exemplo,que eu acabara de estudar, me deu uma vontade de pedir um colinho à minha namorada. Deitar a cabeça nas pernas dela e senti-la fazendo cafuné.

Infelizmente, nesse momento ela esta fazendo o trabalho que o senhor passou para a turma dela. O próximo trabalho pega um pouco leve para ela ter tempo pro meu cafoné, ou melhor, pro nosso cafoné mútuo. :)

Abraço Satisfação
CARLOS MAGNO

Anônimo disse...

Digitei errado no post anterior. Quis escrever "Fadigado".